Ycatu – Água Boa (Cia. Paideia de Teatro)

Duração: 60 minutos. Indicação: Toda família.

Sinopse

Ycatu – Água Boa é um espetáculo para toda família. Ycatu significa “água boa” em tupi-guarani. A peça discute como o homem faz parte da natureza e coloca sua vida em risco ao não proteger os recursos hídricos. O autor cita ideias de pesquisadores contemporâneos, como o escritor norte-americano Ernest Callenbach, autor do romance Ecotopia, no qual defende uma vida sustentável; e a escritora e ativista canadense Maude Barlow, fundadora do Blue Planet Project, que trabalha pelo direito das pessoas à água limpa.

Na história, uma companhia de teatro ensaia sua nova peça infantil sobre a importância da água. Os atores fazem cenas divertidas, cheias de músicas e movimentos, na tentativa de tocar o coração das crianças e de seus pais. Até que coisas estranhas começam a acontecer e personagens do folclore decidem participar com sugestões, atrapalhando os ensaios. “A água é um bem natural insubstituível sem a qual a vida não resiste”, lembra Cobra Norato.

Iara propõe: “Recuperemos o sagrado de todas as coisas da natureza principalmente da água que é a fonte de todas as coisas e de toda a existência”. Enquanto os atores lembram os ditados populares sobre a água e a importância da preservação, fica claro que todas as coisas estão interligadas. O que fere a Terra, fere também os filhos e filhas da Mãe Terra. O resgate das lendas brasileiras é embalado por músicas do cancioneiro popular que tratam da natureza.

Ficha técnica

Texto e direção: Amauri Falseti
Cenário, figurinos e arte gráfica: Telumi Hellen
Iluminação: Wagner Freire
Coreografias: Manoela Pamplona
Direção musical: Marcos Iki
Músicos e execução de efeitos sonoros: Marcos Iki
Operação de luz: Carolina Chmielewski
Elenco: Aglaia Pusch, Camila Amorin, Flávio Porto, Rogério Modesto e Valdênio José

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Carta do diretor artístico do Teatro Grips, Berlim

Estou muito feliz por poder ter sido convidado para a estreia de vocês; e estou muito orgulhoso de que uma noite tão maravilhosa possa ter saído da ideia maluca de fazer uma peça para crianças, tendo água como tema. Congratulações a todos, também à música, ao grandioso cenário – simples, e no entanto mágico –, ao figurino, à luz. Tornou-se uma grande produção. Sobretudo, porque se pode sentir que se trata de uma equipe, que é para mim o mais essencial no teatro, para além das questões estéticas: trata-se de conteúdo, do essencial, de questões sociais que nos queimam por baixo da unha. E eu, como espectador, pude perceber a potência do significado, emanando da força do jogo de vocês, ainda que não compreendesse palavra alguma. É um grande desempenho da companhia; vocês têm vontade de jogar uns com os outros, se observam, são curiosos e abertos. Me parece, que vocês trabalharam com o texto “Novos Métodos” ao menos um pouco: percebo pelo seu novo modo de atuar, muito mais como performers do que como atores psicologicamente realistas– isso funciona muito bem para esse tipo de peça. Teatro de ponta no nosso tempo! E como vocês começam leves, com tranquilidade, charme, humor interpretam uma trupe que não tem vontade de apresentar uma peça convencional sobre água, com com ensinamentos morais. Grandiosa a paródia de vocês de um “musical-de-entretenimento-dedo-na-cara” e a inserção dos provérbios de água. Isso não pode ser como se fala da água. Isso vai acontecer com a lembrança e o aparecimento dos mitos antigos, que nos trazem a criação e a destruição. Só aí podem chegar ao ponto: somos nós, os homens, que destruimos a vida, e, se não nos conscientizarmos disso a tempo, a Terra será destruída para sempre. Nesse momento não pude, naturalmente, entender todas as falas com questões políticas. Mas vocês encontraram sempre imagens fortes que apresentavam essas palavras. Vocês compuseram uma mensagem política explosiva em imagens poéticas, e a apresentaram relaxados, tranquilos, juntos. Incorreram em grande risco de apresentar uma peça nada convencional, mas sim uma colagem, que corre sempre o riso de ser quebrada, de se desmontar sozinha, se vocês não mantiverem a concentração e a atenção. Eu gostaria que nessa produção vocês nunca se solidificassem em gestos rotineiros, mantendo sempre a alma da improvisação. Eu chorei e ri, e agradeço por essa experiência de teatro, e me alegro por podermos mostrá-la às pessoas da Alemanha. Mil agradecimentos, vocês são uma companhia muito boa, um teatro muito especial, e que têm, além de tudo, um excelente diretor e escritor. Agradeço também ao Amauri pelo corajoso e inovador trabalho teatral.

Coraçãomente, Stefan

Crítica de Dib Carneiro Neto na Revista Crescer

‘Ycatu – Água Boa’ escancara os difíceis e desafiadores limites entre arte e educação Durante muito tempo, o teatro para crianças no Brasil sobreviveu bem atrelado à sua função educativa e isso acabava por limitar seus voos de liberdade no rumo da arte pura e simples. Antes, se fazia teatrinho e pecinha bonitinha para agradar e ensinar a criancinha. Hoje, são feitas bem menos peças para martelar na cabeça da plateia que se deve escovar os dentes três vezes ao dia. Bem menos peças para complementar as comemorações do dia do índio, do dia do soldado, do mês do folclore. Hoje, finalmente, se compreendeu que se faz teatro infantil como arte (e não como aula) para a criança se conhecer, se perceber, perceber o outro e perceber o mundo, a diversidade do mundo. Isso não significa que hoje não se deva mais fazer peças educativas. A questão é como fazer. A questão é achar a chave, o segredo, para que não vire um espetáculo chato e maçante, sem pé na arte e com ranço de aulinha.

Um espetáculo em cartaz em São Paulo serve de ilustração para essa dificuldade tremenda que é decidir partir de um tema ligado à cidadania e, portanto, um tema educativo – e fazer ‘malabarismos’ em cena para que o tom não fique catequético, para que a essência da arte teatral não perca terreno para as intenções didáticas. O espetáculo a que me refiro é Ycatu – Água Boa, da Cia. Paideia. No próprio programa da peça, o grupo alerta para essa questão com que tiveram de lidar: o desafio de “transformar as diversas questões sociais que adoecem o mundo em espetáculos lúdicos, belos, divertidos e que despertem curiosidades e reflexões”. Enorme desafio – que a Paideia venceu apenas em parte. Nesse sentido, vira uma peça obrigatória para todos (pais, filhos, educadores, encenadores, artistas), pois observando as dificuldades dos outros é que a gente vai colecionando ferramentas para quando chegar a nossa vez de enfrentar os mesmos desafios.

O diretor e autor Amauri Falseti fez de tudo e mais um pouco para driblar o tom de aula de ecologia e meio ambiente. Chega a ser emocionante observar as “ginásticas” todas que ele e seu grupo inventaram no texto, nas cenas, para tentar um dinamismo necessário, um momento poético cativante. Mas, infelizmente, chega uma hora que isso também cansa. É tanto recurso, tanto malabarismo, tanta metalinguagem, tantas interrupções no curso da peça, que a gente se cansa junto com os atores. Melhor seria se tivessem contado logo alguma história com começo, meio e fim, sem tanto medo de encarar o tema da água, como o espetáculo deixa transparecer o tempo todo nas entrelinhas. É como se tivessem pedindo desculpas constantes à plateia pela escolha do tema. É como se sentissem culpa por estarem cometendo o “terrível pecado” de realizar uma peça educativa. Absolutamente fora da rota que a companhia vem trilhando há pouco mais de uma década, com espetáculos fabulares cada vez mais poéticos, mais criativos e mais premiados, Ycatu – Água Boa surgiu de um intercâmbio internacional. De um lado, o GRIPS Theater, de Berlim, Alemanha, e, de outro, a brasileira Paideia, do bairro paulistano de Santo Amaro. A ideia das duas companhias encenarem espetáculos sobre a água surgiu em 2009. Os integrantes da Paideia estiveram em Berlim para troca de conteúdos, realização de debates e escolha dos caminhos que cada um dos dois espetáculos adotaria. Os brasileiros escolheram percorrer o universo das lendas indígenas, mesclando-as com lindas pérolas do cancioneiro popular e as “participações especiais” de personagens míticos como Iara e Cobra Norato.

O início da peça é estimulante. Os jogos metalinguísticos servem de instigante ponto de partida. Os atores conversam com a plateia, explicam que estão ensaiando uma peça e querem mostrar algumas cenas ainda incipientes. Mas toda vez que eles tentam iniciar suas cenas, algum dos atores sofre um tipo de colapso ou “incorporação” e desanda a citar frases populares que usam a água como mote. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Quem está na chuva tem de se molhar. E assim por diante. Essa ideia é bem realizada. É o melhor da peça. São tantos, tantos, tantos ditados populares ligados à água, que fica tudo muito divertido. Nas cenas de ensaio que tentam mostrar ao público, eles chegam a ridicularizar as peças didáticas, as montagens escolares. Os atores reclamam, por exemplo, de terem de ser vestir de gotinha, de vassourinha, de carrinho… O problema é o que fazer depois disso. Entra uma canção. Entra um personagem misterioso. Entra outra canção. E aí se começa a perceber que tudo é artifício para evitar entrar de cara no tema da peça: o desperdício de água no planeta. Afinal, foi essa a combinação feita com os alemães, uma peça sobre água… Os atores, então, agarram seus baldes e começam a proferir suas lições, chegando ao requinte de detalhes, como informar quantos litros de água o público desperdiça se escova os dentes com a torneira aberta… É quando fica claro que há duas peças em curso no palco: a peça didática que eles aceitaram fazer, mas sem saber como fazer, e a “metapeça” que tenta disfarçar o tempo todo que eles estão fazendo uma peça didática. Pena. Faltou integrar essas duas partes de forma harmônica. Saí do espetáculo ao mesmo tempo cansado e emocionado. Cansado de observar o esforço quase inútil de todos para não cair no maçante. Emocionado pelo mesmo motivo: por observar todo esse esforço quase inútil de uma companhia que é boa e só está querendo acertar, com todas as melhores intenções possíveis. É um desperdício, tanto quanto o da água, como se a torneira de talento da Paideia ficasse aberta o tempo todo, mas em vão, deixando escapar para o esgoto uns bons litros da criatividade que vinham demonstrando em seus espetáculos anteriores. Vá prestigiar, pois, como eu já disse, Ycatu – Água Boa merece ser objeto de estudo por quem se preocupa com esses difíceis e desafiadores limites entre arte e educação.